quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Raio

Grande linha torta
ponto fora da curva
                               r
                             a
                                i
                              o

Junto à tosse de Deus
                                 (que é o trovão)
este flash fotográfico
da câmera do mundo
que anuncia
o movimento das águas,

E então parece
que o raio
abre um buraco
(que só ele consegue)
que libera o perfume
único
como o abraço de alguém
                                           que se vai
de terra, água
e sobretudo
de todas as coisas do universo.

Surpresa amarela

Numa tarde de dezembro
Algo curioso me ocorreu

Num vaso sobre a pia
a vida (e a imitação dela)
conviviam
simetricamente belas
num pequeno vaso

Me aproximo
                    e verifico
que as rosas brancas (ou a tentativa de sua representação)
me enganam
                    e se contrastam
ao grande facho de fogo amarelo
                                                   - o girassol

Constato em minhas memórias
que é a primeira vez
(nesses 24 anos)
que me deparo
com esta flor de rara beleza,
e cujo amarelo
me queima as vistas, e
me faz sentir o perfume (que não cheira)
de seu percurso
que começou semente,
se alimentou da cor do sol
abrilhantou a paisagem
de algum campo

e agora está aqui
em minha frente
soltando um pó de vida
de seu coração marrom
esperando
                resplandescente

a hora de sua morte.                

Domínio da vontade

Como uma fera
insaciável
diante de sua presa
você me morde
com doçura
                    e duramente

E em mim
dor e delírio
se embaralham
como numa sopa
que borbulha
um sentimento
acalorado

Presentes coloridos

As cores que
você me deu
me fizeram perceber
que a arte
só arde

se brota do branco
                              (e pintando um novo mundo)
ao infinito indizível
encontra

Metamorfose de formas

No desenho
do ladrilho
crio formas
e labirintos
que mudam
a cada piscar
de olhos

Ser dentro do ser

Como mato de brejo
meus cabelos crescem
e brotam
na terra
que é minha cabeça (e meu corpo)

Os cabelos crescem
e calmamente
comunicam que o meu tempo

d  i  m  i  n  u  i

Assim como os corvos
(sedentos de existência)
tiveram no milho
o seu motivo
a terra de minha
cabeça
já foi o lar
de seres que se alimentavam
do sangue
que passa por baixo
                               da pele
e faz crescer
essa grande mata negra

Seres
que cuja existência era notada
apenas pela coceira
que me dava a sensação
de que as vidas estão todas
ligadas
e alimentam-se
reciprocamente                         

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O sangue que transborda como um rio na minha cidade

Foi ruim dormir essa noite.
Eu e os meus amigos não conseguimos a janta com a sobra dos restaurantes, e a dor da fome vai arder na madrugada.
Mesmo assim, preferimos ficar juntos, os cinco, na calçada da rua onze, pertinho do viaduto. Embora famintos, a sensação de que temos uns aos outros faz o estômago não falar tanto.
Enrolados num embrulho de lã cinza e sujo, compartilhamos o insucesso e a desgraça de mais um dia pelas ruas. O gole de cachaça do meu amigo vai bagunçar meu corpo e minha mente, e depois, embalar o meu sono.
Izabel é minha filha e única criança do grupo, sempre acompanha a mãe nos faróis. Essa noite, vai disfarçar a fome mastigando a massa do chiclete sem gosto por longas horas.
Não me recordo exatamente em que momento o sono me retirou a película das coisas reais, e tudo se apagou num sono forçado pelo cansaço e pelo efeito da pinga.
Deitamos àquela noite e não iríamos mais levantar.
Fora de nós, que dormíamos na nossa cama de papelão coletiva, era tudo silêncio. No conforto de nosso sonho, não escutamos uma moto se aproximar de nós devagar.
Com cautela, a dupla desce da moto e nos observa dormir.
Da cintura, retiram a nossa sentença, representada em grandes pistolas, cuja cor prata brilhava no breu da noite.
Engatilharam, respiraram e fecharam os olhos para atirar. Fecharam os olhos para não acreditar.
Antes de mim, minha mulher e meu parceiro de longa data foram finalizados.
A cachaça ainda fazia efeito e só pude ouvir Izabel dizer:
- O que é isso, moço?
Minha linda Izabel não teve resposta do homem que apontava o cano para ela. Virou anjo e foi tentar ouvir o que Deus tinha a dizer sobre isso.
Quanto a mim, foram generosos. Aquele peso amargo da consistência do mundo que estava comigo até então, foi desintegrado por uma gota de chumbo quente que atravessou a minha cabeça.
Na cabeça é assim, não dá tempo de sentir nada.
Meus ouvidos, minhas últimas partes a se desligarem do meu corpo e desse universo, ainda puderam escutar:
- Na próxima rua tem mais três.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Quanto pesa uma ausência?


O peso de quem parte
bate branco
               e nenhum guindaste de esperança
retira
         o monstro vazio
das mãos de quem fica
                           


"o tempo é longo pra quem fica"

sábado, 27 de outubro de 2012

O sono do gatinho


à minha esquerda
na minha cama
o gato malhado
é olho virado

num lapso rápido
sua perna-pata tremeu
de certo
se esqueceu
que não pode fugir
                              da água
que o pesadelo lhe deu

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Fala no Silêncio

                                                    E o não dito
                                                    abre o atrito
                                                    onde a chaga é dúvida
                                                    no farol castanho
                                                    dos seus olhos
                                                    de açúcar  

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A desintegração da lesma


eu sigo
        devagar
entre o verde do
                          lodo

e a vertigem
             dos restos


minha lenta
            caminhada
de duas horas até o olho
                                       do homem

fez meu corpo
se dissolver rapidamente
pois ele
               com nojo da forma que não escolhi ter
    me sentenciou com a morte
                                              numa rajada
de sal
            que queima
                            como o sol

domingo, 14 de outubro de 2012

Fico voltando

Você percebe que quer ficar
quando se dá conta que as despedidas
se tornam presságios de novos começos
ao percorrer de quatro horas de conversa

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Cena de trem

Depois de receber
uma sentença
                        qualquer 

e definitiva
por meio de um sms no celular

O terreno marrom de pele
daquele rosto sofrido
foi marcado por 
                              c - a - m - i -n - h - o - s
abertos por torrentes
                                       raivosas
de um rio

                                  cuja água se totaliza em única gota

 que 
                         c
                         a
                          i
                         u  

pesada e quente
como cera de vela  

dos olhos negros de pedra 
                                               e agora
silêncio

sábado, 6 de outubro de 2012

Sôfrego paulista

Não é para
é pare

Pare com isso
de verdade

é verdade

Abre o erre
põe a língua no dente de cima

pra tentar chegar perto
da sonoridade das palavras
que
             s  a  e  m

gostosas
como acordes de dissonantes de Macalé

de sua boca
pincelada de batom vermelho
                                             
no deserto de suas unhas
que temperavam minhas ideias com carinhos em minha cabeça
fui tragado por olhos castanhos
                                                   vivos
e quentes como brasa

o conflito é linguístico
e de línguas

A vida das amoras

e as amoras
                     que ninguém come
mancham

o chão
                 de delírios
                                          roxos

O destino do morto

Dentro de um cemitério
a árvore pendura mangas rosas e suculentas
em seus dedos
e alimenta a festa dos passarinhos


Contradição incontestável da existência

pelas vidas que ali cintilam

Isso porque 
as mangas 
tiveram sua árvore adubada 
por vidas de pequenos seres
                                                   que nasceram

do ventre de ossos 
manchados de morte



terça-feira, 25 de setembro de 2012

Aprendizado

 "Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.

Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão

que a vida só consome
o que a alimenta."

Ferreira Gullar

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Apocalipse sereno

Os gritos das folhas silenciaram a garganta rouca de pedra do galo. Neste dia, havia um estranho sopro de desgraça que vinha anunciado nas cusparadas do vento.

Perto do momento em que o sol, supostamente, tomaria o seu posto de dono do céu, vê-se por trás dele, uma linha lilás em degradê para o preto. As cores do céu são indecifráveis.

Ninguém sabia, mas ali se elaborava o dia (que também era noite) em que o universo trocava sua pele de cobra.

O branco das nuvens deu lugar a volumosos amarelos disformes. O azul, que era o rei do espaço, se tornara  em um denso marrom terroso, de modo que tinha-se a impressão de que seria possível cair para cima a qualquer instante.  

domingo, 9 de setembro de 2012

a transição do dente

Nascem virgens
de leite

Caem da árvore
da boca (que tudo devora)
como sementes
que são plantadas
no travesseiro
para a fada
                       depois
transformá-los em dinheiro


Assim como a folha
vigora no verde
                            e morre
no amarelo do esgoto
as cores do dente
                               também são anestesiadas
pelo tempo
e se movem
                             


                                               d  e  v  a  g  a  r


O paradoxo indecifrável
onde o açúcar
                         branco
Abre precipícios de cáries
                                             negras

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Estação da Luz

O meu desespero desembarca
no mesmo vagão que te carregará
em instantes
                                                                                                         



                                                                                      para longe



Você entra no trem
e um medo verde avança

v
  e
     r
        t
          i
            g
               i
                 n
                    o
                       s
                          o

pela minha garganta

O apito é triste
pois prenuncia que o braço de ferro metálico

seguirá seu
                             r-u-m-o

transportando com ele, em trilhos injustos,
o motivo de minhas
                                       
                                        saudades

domingo, 2 de setembro de 2012

sobre o beijo


Brotam eufóricos
do fogo que fora criado antecipadamente
pelos olhos

Sempre se sucedem
E fazem a cabeça
girar
           l e n t a m e n t e
como um ponteiro que define
a eternidade daquele
                                 instante
                       

é como uma uma fonte
de água divina
numa sede que não se mata

é o veneno que tem em si a própria cura
vem quente e em poucas
                                         doses
da saliva de outrem

sábado, 1 de setembro de 2012

Festa dos prazeres improváveis

Eu os aperto e eles saem
escorrendo um rio de cócegas
nas palmas secas de minhas mãos

Nesse estranho prazer
O riso se abre
como se não houvesse depois

Ah, que felicidade me invadia
Quando afundava minhas mãos
Numa grande lata de arroz!

Navegação silenciosa

Alçado por essa ilha imóvel
banhada por seus olhos castanhos
de água

Me entorpeço à deriva
No barco em que sou capitão e tripulação
Neste sorriso que cintila
E me faz compor essa canção

sábado, 25 de agosto de 2012

Boca no frio

O ferro ardente
coagula vermelho
quando o frio
abre a cratera
de meus lábios

Mordo a ponta
da pele
para me prontificar
que a boca
ainda pulsa
fora do beijo

múltiplo de dois

Agora
se escora
na dobra
do dobro

O movimento da penumbra

Quando estou deitado e o escuro é absoluto, teimo com os sentidos. Mesmo sabendo que se abrir os olhos, a paisagem será mesma que está dentro, permaneço atento e espero alguma coisa deste silêncio
de
olhos
e
ouvidos.

É como se a hora de dormir, quando realmente (achamos que) paramos, fosse o momento que nos mostra que a vida maqueia sua brevidade na metamorfose de sonoridades.

É com a vista aberta
no escuro
que vejo

E tenho certeza de que morremos quando silenciamos. 

Presságio do rasante

Nestas partes
que me queimam a memória
Há memória

Calejado de ter sonhos
que não são meus
Desenterro nos olhos teus
meu motivo tão tristonho

Que só me deixe em descompasso
aquilo que eu possa tocar
Tocar para sentir
Sentir para guardar

E se não fossem estes desenganos
Tão profanos na raiz de meu pranto
Não existiria conexão ao pássaro
que só bate asas dentro de mim

Embora seja assim
isso não é uma gaiola

É a maneira de invejar as asas
que eu
sempre
quis
ter

Sobre a permanência

Tem pó
no
Tempo