segunda-feira, 1 de junho de 2015

De repente

De repente, a luz ficou fria
De repente, o vaso se fez barro
De repente, a hora vazia
De repente, (na língua)
o gosto amargo

De repente, o vidro perfura
De repente, o olho faz fita
De repente, o silencia tortura
De repente, a boca não grita

De repente, parto sem parte
De repente, não lembro o que vi
De repente, a alma faz alarde
De que (agora)
Faz sentido
Não sentir

O que há no próximo facho de luz

Como uma pedra, me ofereci ao tempo ao observar uma rachadura que se fazia avançar nas paredes do meu quarto. Lembro-me que no ano passado, ela estava na porta e, sem que eu percebesse, foi adentrando meu quarto como um amor que, embora ausente, foi se deixando ficar e crescendo sem que meus olhos percebessem seu trajeto.

A ponta da rachadura atravessava minha janela e seguia firme em direção à minha cama, como se anunciasse uma ruína que não seria apenas arquitetônica. Me desespero ao perceber centenas de formigas saírem desesperadamente do breu da fresta e meu corpo começa a formigar com aquele exército que pareceu ter visto o inferno dentro do corpo de minha casa.

Minha boca secava com o desespero das formigas e rapidamente saio do quarto e corro à janela. Ela me oferta sempre a mesma paisagem, traz lembranças que se desfazem entre as nuvens e os aviões que aterrissam no aeroporto. Vejo o sol se por apenas pela graduação de cores, seu corpo não se faz presente.

Já não é a mesma a água daquele rio, já não sou o mesmo diante do abismo que se dirige a mim. Sou a flecha imponente que corta o vento para adentrar o corpo do bicho, me desintegro em silêncios, me esparramo em cheiros de quem está ausente, me derramo pelo par de sapatos que já não tem mais pés pra proteger.

Sou como as formigas, sigo caminhos sem saber o que me espera no próximo facho de luz.
 

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Quem toma
minha mão
na noite escura

me conduz para
um lado
claro
            da treva

e do penhasco
me atiro
(ou sou atirado?)
mergulho em vertigem

antes da queda
o susto
não abro os olhos
eles se antecipam
à minha vontade
e me revelam o breu
a cama suada

para que eu não
me diluísse
em milhões de possibilidades
ao morrer
num sonho
mal sonhado