sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O sangue que transborda como um rio na minha cidade

Foi ruim dormir essa noite.
Eu e os meus amigos não conseguimos a janta com a sobra dos restaurantes, e a dor da fome vai arder na madrugada.
Mesmo assim, preferimos ficar juntos, os cinco, na calçada da rua onze, pertinho do viaduto. Embora famintos, a sensação de que temos uns aos outros faz o estômago não falar tanto.
Enrolados num embrulho de lã cinza e sujo, compartilhamos o insucesso e a desgraça de mais um dia pelas ruas. O gole de cachaça do meu amigo vai bagunçar meu corpo e minha mente, e depois, embalar o meu sono.
Izabel é minha filha e única criança do grupo, sempre acompanha a mãe nos faróis. Essa noite, vai disfarçar a fome mastigando a massa do chiclete sem gosto por longas horas.
Não me recordo exatamente em que momento o sono me retirou a película das coisas reais, e tudo se apagou num sono forçado pelo cansaço e pelo efeito da pinga.
Deitamos àquela noite e não iríamos mais levantar.
Fora de nós, que dormíamos na nossa cama de papelão coletiva, era tudo silêncio. No conforto de nosso sonho, não escutamos uma moto se aproximar de nós devagar.
Com cautela, a dupla desce da moto e nos observa dormir.
Da cintura, retiram a nossa sentença, representada em grandes pistolas, cuja cor prata brilhava no breu da noite.
Engatilharam, respiraram e fecharam os olhos para atirar. Fecharam os olhos para não acreditar.
Antes de mim, minha mulher e meu parceiro de longa data foram finalizados.
A cachaça ainda fazia efeito e só pude ouvir Izabel dizer:
- O que é isso, moço?
Minha linda Izabel não teve resposta do homem que apontava o cano para ela. Virou anjo e foi tentar ouvir o que Deus tinha a dizer sobre isso.
Quanto a mim, foram generosos. Aquele peso amargo da consistência do mundo que estava comigo até então, foi desintegrado por uma gota de chumbo quente que atravessou a minha cabeça.
Na cabeça é assim, não dá tempo de sentir nada.
Meus ouvidos, minhas últimas partes a se desligarem do meu corpo e desse universo, ainda puderam escutar:
- Na próxima rua tem mais três.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Quanto pesa uma ausência?


O peso de quem parte
bate branco
               e nenhum guindaste de esperança
retira
         o monstro vazio
das mãos de quem fica
                           


"o tempo é longo pra quem fica"