quinta-feira, 4 de setembro de 2014

A morte e o caminho ao nada

A morte estava ali e não pude escapar. Sufocado pelo acaso, a morte colocou a aliança da inexistência em minha mão e comecei a repaginar as memórias sufocadas que sopravam nas janelas naquele momento. Enquanto a consciência ainda se fazia presente, comecei a repassar com pressa as cores-pessoas que tive a oportunidade de ver.

Lembrei que na primeira série a minha professora elogiou a pintura de um urso, onde realmente me empenhei muito com um giz de cera da cor laranja. Impus bastante força nos dedos, minha vontade era a de que o urso realmente saísse do papel, onde estava petrificado em preto e branco. Talvez a vida não seja menos que isso, escolher a cor com que iremos pintar o desenho que se oferta diariamente, sempre igual, sempre diferente.

Um breu interrompe a minha tentativa de relembrar as coisas que valeram a pena na vida. Sinto que meu corpo quer desligar, mas ainda resisto. Ainda na infância, lembro do sol que eu tentava olhar, mas nunca conseguia. Eu buscava fixar sua forma redonda, como nos é ensinado, mas não conseguia encará-lo. Via aquela mancha de luzes por no máximo três segundos e desistia enxugando as lágrimas forçadas com a visão dilatada. Encarar o sol é como encarar a morte, não enxergamos sua face e somos impotentes às lâminas que nos cegam.

Minhas pernas já não sinto mais e um estranho chiado em minha mente começa a ter um som agudo cada vez maior. Um solavanco na minha cabeça embaralha todas as informações e os sonhos já não se diferenciam do que foi real. Me perco no labirinto de imagens que formaram minha vida. Sinto uma arfada em minha boca, um objeto ultrapassa minha garganta e começa a cuspir fortes borrifadas de ar.

A vida foi demais para terminar assim. A vida foi demais para terminar aqui. A vida foi demais pra se desprender de mim. A vida é o que faz meu corpo doer assim. A vida pode mais do que me exterminar assim. A vida cabe mais do que esse escuro sem fim. A vida é sempre mais do que esse cobertor de terra sobre mim.     

Eu não queria ir e o instante que me precede é sempre mistério. Toda falta é incalculável e o que vem depois é só saudade.