sexta-feira, 27 de maio de 2016

a cabeça
caixa do corpo
espaço inabitável
fábrica de desacontecimentos


aqui doutrino a ordem
- por insistência ou devaneio -  do que pode e não pode
acontecer

na cabeçate recrio
toco seus olhos
com minha imaginaçãodo jeito que desejo


cabeça
janela aberta
que (às vezes) dá para uma parede
me tenho aqui
permaneço
e escuto
o dobrar
da grande onda

segunda-feira, 1 de junho de 2015

De repente

De repente, a luz ficou fria
De repente, o vaso se fez barro
De repente, a hora vazia
De repente, (na língua)
o gosto amargo

De repente, o vidro perfura
De repente, o olho faz fita
De repente, o silencia tortura
De repente, a boca não grita

De repente, parto sem parte
De repente, não lembro o que vi
De repente, a alma faz alarde
De que (agora)
Faz sentido
Não sentir

O que há no próximo facho de luz

Como uma pedra, me ofereci ao tempo ao observar uma rachadura que se fazia avançar nas paredes do meu quarto. Lembro-me que no ano passado, ela estava na porta e, sem que eu percebesse, foi adentrando meu quarto como um amor que, embora ausente, foi se deixando ficar e crescendo sem que meus olhos percebessem seu trajeto.

A ponta da rachadura atravessava minha janela e seguia firme em direção à minha cama, como se anunciasse uma ruína que não seria apenas arquitetônica. Me desespero ao perceber centenas de formigas saírem desesperadamente do breu da fresta e meu corpo começa a formigar com aquele exército que pareceu ter visto o inferno dentro do corpo de minha casa.

Minha boca secava com o desespero das formigas e rapidamente saio do quarto e corro à janela. Ela me oferta sempre a mesma paisagem, traz lembranças que se desfazem entre as nuvens e os aviões que aterrissam no aeroporto. Vejo o sol se por apenas pela graduação de cores, seu corpo não se faz presente.

Já não é a mesma a água daquele rio, já não sou o mesmo diante do abismo que se dirige a mim. Sou a flecha imponente que corta o vento para adentrar o corpo do bicho, me desintegro em silêncios, me esparramo em cheiros de quem está ausente, me derramo pelo par de sapatos que já não tem mais pés pra proteger.

Sou como as formigas, sigo caminhos sem saber o que me espera no próximo facho de luz.
 

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Quem toma
minha mão
na noite escura

me conduz para
um lado
claro
            da treva

e do penhasco
me atiro
(ou sou atirado?)
mergulho em vertigem

antes da queda
o susto
não abro os olhos
eles se antecipam
à minha vontade
e me revelam o breu
a cama suada

para que eu não
me diluísse
em milhões de possibilidades
ao morrer
num sonho
mal sonhado

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Do que se enxerga

Quem me olha
do outro lado
do espelho
não sustenta
a minha dúvida:

O que o (eu) reflexo
faz enquanto me espera
voltar a encará-lo?

Será que fica
no espelho do banheiro
observando a parede
se desintegrar
no sangue invisível
do tempo?

O meu reflexo
não sabe
mas é mais feliz
(que eu)
em outro lugar
que não seja espelho

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

A morte e o caminho ao nada

A morte estava ali e não pude escapar. Sufocado pelo acaso, a morte colocou a aliança da inexistência em minha mão e comecei a repaginar as memórias sufocadas que sopravam nas janelas naquele momento. Enquanto a consciência ainda se fazia presente, comecei a repassar com pressa as cores-pessoas que tive a oportunidade de ver.

Lembrei que na primeira série a minha professora elogiou a pintura de um urso, onde realmente me empenhei muito com um giz de cera da cor laranja. Impus bastante força nos dedos, minha vontade era a de que o urso realmente saísse do papel, onde estava petrificado em preto e branco. Talvez a vida não seja menos que isso, escolher a cor com que iremos pintar o desenho que se oferta diariamente, sempre igual, sempre diferente.

Um breu interrompe a minha tentativa de relembrar as coisas que valeram a pena na vida. Sinto que meu corpo quer desligar, mas ainda resisto. Ainda na infância, lembro do sol que eu tentava olhar, mas nunca conseguia. Eu buscava fixar sua forma redonda, como nos é ensinado, mas não conseguia encará-lo. Via aquela mancha de luzes por no máximo três segundos e desistia enxugando as lágrimas forçadas com a visão dilatada. Encarar o sol é como encarar a morte, não enxergamos sua face e somos impotentes às lâminas que nos cegam.

Minhas pernas já não sinto mais e um estranho chiado em minha mente começa a ter um som agudo cada vez maior. Um solavanco na minha cabeça embaralha todas as informações e os sonhos já não se diferenciam do que foi real. Me perco no labirinto de imagens que formaram minha vida. Sinto uma arfada em minha boca, um objeto ultrapassa minha garganta e começa a cuspir fortes borrifadas de ar.

A vida foi demais para terminar assim. A vida foi demais para terminar aqui. A vida foi demais pra se desprender de mim. A vida é o que faz meu corpo doer assim. A vida pode mais do que me exterminar assim. A vida cabe mais do que esse escuro sem fim. A vida é sempre mais do que esse cobertor de terra sobre mim.     

Eu não queria ir e o instante que me precede é sempre mistério. Toda falta é incalculável e o que vem depois é só saudade. 

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Quem foi, volta

Ele chegou de uma viagem como quem fosse fazer visita, ainda que a casa fosse sua. Amparado por um chapéu cinza, a faixa se fazia enxergar no cabelo e face suados.

Ele chegou como quem já não está mais aqui. Foi recebido por um beijo no rosto pelo seu amor e se queixou de dores na cabeça.

Ele chegou de mochila suja, os olhos não tão atentos de quando estava vivo. Ao me perceber acima de sua cabeça, repetiu a queixa de dor de cabeça.

Ele chegou com olhos de quem não quis partir e na verdade a sua dor não era bem na cabeça, mas sim uma dor outra. A dor de não poder pertencer ao seu lugar, é o que pareceu.

Ele chegou querendo ficar e para ter certeza que não estamos tristes, visitou o meu sonho pra me confortar.


Ele partiu pra dentro da casa de onde nunca vai sair, certo que para vê-lo, basta querer sonhar.