terça-feira, 25 de setembro de 2012

Aprendizado

 "Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.

Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão

que a vida só consome
o que a alimenta."

Ferreira Gullar

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Apocalipse sereno

Os gritos das folhas silenciaram a garganta rouca de pedra do galo. Neste dia, havia um estranho sopro de desgraça que vinha anunciado nas cusparadas do vento.

Perto do momento em que o sol, supostamente, tomaria o seu posto de dono do céu, vê-se por trás dele, uma linha lilás em degradê para o preto. As cores do céu são indecifráveis.

Ninguém sabia, mas ali se elaborava o dia (que também era noite) em que o universo trocava sua pele de cobra.

O branco das nuvens deu lugar a volumosos amarelos disformes. O azul, que era o rei do espaço, se tornara  em um denso marrom terroso, de modo que tinha-se a impressão de que seria possível cair para cima a qualquer instante.  

domingo, 9 de setembro de 2012

a transição do dente

Nascem virgens
de leite

Caem da árvore
da boca (que tudo devora)
como sementes
que são plantadas
no travesseiro
para a fada
                       depois
transformá-los em dinheiro


Assim como a folha
vigora no verde
                            e morre
no amarelo do esgoto
as cores do dente
                               também são anestesiadas
pelo tempo
e se movem
                             


                                               d  e  v  a  g  a  r


O paradoxo indecifrável
onde o açúcar
                         branco
Abre precipícios de cáries
                                             negras

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Estação da Luz

O meu desespero desembarca
no mesmo vagão que te carregará
em instantes
                                                                                                         



                                                                                      para longe



Você entra no trem
e um medo verde avança

v
  e
     r
        t
          i
            g
               i
                 n
                    o
                       s
                          o

pela minha garganta

O apito é triste
pois prenuncia que o braço de ferro metálico

seguirá seu
                             r-u-m-o

transportando com ele, em trilhos injustos,
o motivo de minhas
                                       
                                        saudades

domingo, 2 de setembro de 2012

sobre o beijo


Brotam eufóricos
do fogo que fora criado antecipadamente
pelos olhos

Sempre se sucedem
E fazem a cabeça
girar
           l e n t a m e n t e
como um ponteiro que define
a eternidade daquele
                                 instante
                       

é como uma uma fonte
de água divina
numa sede que não se mata

é o veneno que tem em si a própria cura
vem quente e em poucas
                                         doses
da saliva de outrem

sábado, 1 de setembro de 2012

Festa dos prazeres improváveis

Eu os aperto e eles saem
escorrendo um rio de cócegas
nas palmas secas de minhas mãos

Nesse estranho prazer
O riso se abre
como se não houvesse depois

Ah, que felicidade me invadia
Quando afundava minhas mãos
Numa grande lata de arroz!

Navegação silenciosa

Alçado por essa ilha imóvel
banhada por seus olhos castanhos
de água

Me entorpeço à deriva
No barco em que sou capitão e tripulação
Neste sorriso que cintila
E me faz compor essa canção